sexta-feira, 10 de abril de 2009

A “ENTREVISTA DE DESLIGAMENTO” E O CAPITAL HUMANO.

- Procedimentos, Processos e Práticas do RH.


Por Angelo Peres, janeiro de 2008.

1.

Ocasionalmente, as organizações são pegas de surpresa, quando grandes profissionais, que fazem parte de sua equipe principal, pedem as contas. Os motivos alegados, por estes trabalhadores, na maioria das vezes, são motivados por diversos fatores, tais como: desmotivação, novos desafios em outras corporações, insatisfações de diversas naturezas, propostas irrecusáveis, ano sabático[i], entre outros.
Não precisamos dizer que o baque, proporcionado por essa notícia é grande na operação geral da organização. Não só pela perda desse talento, mas, também, porque, via de regra, a reposição por outro profissional tem que ser estudada. Dessa forma, o processo pode ser lento, e requerer alguns cuidados. Não se pode arriscar contratando de forma precipitada, que dirá, em se tratando de um profissional sênior.
Em alguns casos, apesar de serem raros, o colaborador que está pedindo para sair, aceita uma contraproposta feita pela empresa. Então, o que era um grande susto, para a organização, fica no esquecimento. Adormece o problema.
Este artigo, nessa perspectiva, procura tratar, em linhas gerais, sobre este evento, que pode ser tão impactante à estrutura da organização, e que é tão pouco levado em consideração pela gestão
[ii]. Ou seja, este artigo tenta apontar para a importância de ser ter, até neste momento delicado, instrumentos eficazes que visem minimizar tais impactos.


2.

Sem nem precisar entrar no mérito de que as organizações estão, de forma irreversível, dentro de um ambiente de alta concorrência; e que, atender bem e de forma plena o cliente não é só fator de sucesso, mas de sobrevivência. Ter profissionais treinados e preparados, para tal, é imprescindível.
Se este raciocínio for correto, o fator humano, na produção e no desenvolvimento dos processos, é de fundamental importância. Dado que, na contemporaneidade, vivemos a era do conhecimento e as relações são – muitas delas – imateriais
[iii].
Nessa angulação, o grande nexo do RH
[iv] passa a ser, não só, o de recrutar pessoas, mas o de criar estratégias de retenção, entre outros. Visto que perder um talento, hoje, é algo inimaginável, e pode ter reflexos lesivos à organização e, no limite, a paciência do cliente.
Neste raciocínio, como já apontado acima, um pedido de desligamento de um colaborador estratégico, de nossos quadros, já tão enxutos, em alguns casos, pode ter repercussões significativas para a estrutura processual das tarefas, bem como pode gerar uma perda inimaginável, nos procedimentos e nas práticas da organização. E, na maioria dos casos, no entanto, nada ou quase nada é feito pela área de RH, a fim de minimizar estes impactos.


3.
Não se têm registro de qual foi à primeira organização a utilizar o que chamamos de “Entrevista de Desligamento”[v] - de forma estruturada e com objetivos bem definidos -; mas sabe-se que foi nos Estados Unidos, por volta da década de 60, do século passado; e que sua prática foi disseminada, largamente, para o resto do mundo, logo a seguir.
Hoje, ela é muito pouco usada no Brasil. Quase que uma ilustre desconhecida, inclusive, para os profissionais de RH.
Nas empresas que utilizam esse instrumento, na maioria dos casos, não lhe é dada à importância devida. Ou, em alguns episódios, o seu uso é burocratizado pelo RH. Em outros, tão desastrado quanto nos casos anteriores, quem a aplica, no profissional que pede para sair, não tem qualquer tipo de preparo, a fim de inquirir corretamente o colaborador que está deixando a empresa.
Saber ouvir o que é dito nessas horas, entender, e fazer o encaminhamento das reflexões do trabalhador que está saindo, na entrevista, é tão importante quanto à estrutura e a metodologia do instrumento de desligamento. Na verdade, o instrumento é secundário. O importante é o que vai ser perguntado, e o que vai ser feito com o que está sendo dito.
Esta prática não é um evento de despedida. É um evento de feedback, de crescimento, de ajuste. É, no limite, uma oportunidade de se evitar novos contratempos, de melhorar a eficácia organizacional, entre outros.
A “Entrevista de Desligamento”, nessa angulação, é um instrumento, que visa levantar informações significativas sobre: (i) a opinião do colaborador que está deixando a empresa quanto à “pulsação” dela; (ii) os processos de comunicação, gestão, e demais funcionalidades da firma; (iii) como esse colaborador que está deixando a organização “enxerga” a estrutura hierárquica; (iv) qual é a sua opinião quanto ao encaminhamento e o tratamento das queixas levantadas pelos colaboradores junto ao RH (e a gestão geral da organização); (v) qual é sua opinião quanto às soluções dadas pela gestão (e se as soluções dadas foram satisfatórias); (vi) qual é sua opinião quanto à política salarial utilizada pela empresa; (vii) que sugestões ele daria no sentido de aprimora-la; (vii) os programas de formação, qualificação e desenvolvimento, plano de carreira, sucessão, benefícios, bem-estar, entre outros, que críticas ele tem destes; (viii) que sugestões faz/daria a fim de aprimorá-los; (ix)) como ele percebe a eficiência da empresa versus à concorrência; (x) que sugestões têm para dar a fim de melhorar o atual nível de eficiência; (xi) como o ex-colaborador vê os processos da empresa; (xii) quanto ao produto da empresa. Qual é a sua percepção? Quais são os pontos fracos (e fortes) do produto (ou do serviço) da empresa que ele está deixando?; (xiii) que mudanças faria na concepção (design, logística, comercialização, marketing etc)?; (xiv) como era a relação (desse ex-colaborador) com a chefia direta; entre outras.
Portanto, como já devemos ter observado, a aplicação deste instrumento - de RH - é um momento importante, estratégico e sério. Não pode ser percebido como mais um momento burocrático e sem valor.
O que é dito pelo ex-colaborador, nesta hora, pode significar, no limite: (i) a melhoria de um processo, e este gerar ganho de produtividade, qualidade, inovação, nova funcionalidade, diminuição de custo, otimização do resultado, melhor atendimento etc.; (ii) neste momento pode ser revelado a postura inadequada de alguém. E, esta postura inadequada pode estar gerando sérios malefícios à organização e o RH não saiba; (ii) a opinião deste ex-colaborador poderá surgir uma idéia interessante sobre o melhor posicionamento de um determinado produto – ou serviço - da empresa, etc. Enfim, este momento deve ser entendido / encarado como estratégico e de fundamental importância para a empresa.

4.
Para finalizar, a Teoria do Capital Humano[vi] surge na década de 50. De lá para cá ela vem sofrendo realinhamentos constantes, por conta das mudanças do mundo contemporâneo e, por conta, da – nova – importância que o nexo capitalista flexível está dando ao consumo, a mídia[vii] e a transformação de tudo em mercadoria.
Sem entrar em debates que fugiriam ao escopo deste artigo, a mercadorização das pessoas e das relações sociais, não pode apagar que as pessoas têm que estar preparadas – e alinhadas - para a complexidade do mundo capitalista contemporâneo. E, no fim das contas, este preparo não é só importante: é vital.
Dessa forma, cabe ao RH destacado papel, no auxílio na gestão geral das empresas, no sentido de transformá-las mais produtivas e menos suscetíveis aos impactos causados pelas freqüentes transformações.
Somado a isto, cabe ao RH
[viii] ter procedimentos, processos e práticas mais ajustados à nova realidade que se põe. Dessa forma, até na saída – na despedida – de um colaborador, devemos estar alertas e conscientes.

Referências:
ARAÚJO, Luis César. (2006), Gestão de Pessoas. São Paulo: Atlas.
BOHLANDER, G., SNELL, S. e Sherman, A. (2003), Administração de RH. São Paulo: Thomson.
CHIAVENATO, Idalberto. (2004), Gestão de Pessoas. Rio de Janeiro: Campus.
CRAWFORD, Richard. (1994), Na Era do Capital Humano. São Paulo: Atlas.
EDVINSSON, Leif e MALONE, Michael. (1998), Capital Intelectual. São Paulo: Makron Books.
GORZ, A. O Imaterial. São Paulo: Annablume, 2005.


NOTAS:
[i] O termo vem do hebraico shabbath, e significa repouso. É o dia de recolhimento semanal dos judeus. No Antigo Testamento há referência ao ano sabático: um ano, a cada seis, em que a terra fica sem cultivo para depois iniciar um novo ciclo de fertilidade.
[ii] Tanto do RH quanto pela gestão geral das organizações.
[iii] Para leitura substantiva, entre outros, GORZ, A. O Imaterial. São Paulo: Annablume, 2005.
[iv] Para leitura substantiva: Sherman, Snell, Bohlander, 2003; Chiavenato, 2008; Ulrich, 2000e Araújo, 2006.
[v] Ou “Entrevista do Adeus”, como também é conhecida.
[vi] Para leitura substantiva, ver: Malone e Edvinsson, 1998; e Crawford, 1994; entre outros.
[vii] O termo mídia, aqui, deve ser entendido como: publicidade, propaganda, marketing, indústria cultural, jornais, revistas, TVs, livros, programas de rádio, vídeo-clipe, redes de computadores, e outros meios de comunicação, informação e fabulação.
[viii] Sendo orientado por uma política geral da organização.

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